Relato de uma palestra ministrada aos professores da ESDI.
Texto publicado no Guicolandia original em dezembro de 2017.
No dia 15 de dezembro de 2017, uma sexta-feira, ministrei uma palestra aos professores da ESDI, a convite de nosso colega professor Ricardo Arthur Pereira Carvalho, para tratar da importância de se utilizar programas livres na academia, no ensino do Design.
Iniciei minha fala destacando o ocorrido com a Universidade Cândido Mendes que, após ter sido condenada em ação indenizatória movida pela Microsoft por utilização de programas sem licença (piratas), se viu obrigada a oferecer seu edifício de Ipanema en garantia. Está indo a leilão.
Em seguida, alertei para as responsabilidades civil e penal da instituição e dos professores em caso de eventual utilização de programas piratas. O curioso é que a Cândido saiu vencida em uma ação por violação de propriedade intelectual por utilizar cópias piratas do Windows e do Office, que são programas baratos. Imagine qual seria o valor de uma indenização pela utilização de programas da Adobe e da Autodesk, por exemplo, cujas licenças são bem mais caras.
Aí, veio a pergunta: mas é realmente necessário utilizarmos programas proprietários, especialmente programas tão caros, que sobrecarregam os orçamentos das instituições de ensino, especialmente em uma conjuntura de crise econômica?
Nas aulas em que nos valemos de programas de computador, tentamos transmitir a ideia de que ensinamos conceitos e sua aplicação prática, e que os programas de computador são meras ferramentas de trabalho e, no caso, exemplificativas. O grande problema é que fazemos isso utilizando apenas um software. Sem a comparação, sem que demonstremos a aplicação da teoria em diferentes ferramentas, como convencer que se trata de uma aula de aplicação prática de conceitos e, não, de uma aula de software?
Como se isso não bastasse, a adoção de uma ferramenta apenas, por nicho de aplicação, transmite ao aluno a certeza de que a instituição – especialmente uma instituição de renome, como a ESDI ou a PUC – sanciona aqueles programas. Como resultado, o aluno se sente compelido, quiçá obrigado, a mover esforços para adotar aqueles programas indicados por sua faculdade. Aos alunos que têm condição de arcar com as caras licenças de uso, problema algum. Já aos alunos que não têm a mesma condição financeira, e não são poucos, resta o ilícito.
Ao fim e ao cabo, a adoção de um programa proprietário, por nicho de aplicação, pelas faculdades de Design, ainda que estas instituições paguem corretamente pela licenças de uso, indiretamente estimula seus alunos à prática de crime de violação de propriedade intelectual.
Existe alternativa?
Se o que não tem remédio, remediado está, para resolver essa situação é necessário que haja alternativas aos programas proprietários do mainstream. Mais que isso, em que pese meu engajamento filosófico ao Movimento Software Livre, minha responsabilidade como professor jamais permitiria recomendar um programa que não estivesse, pelo menos, em pé de igualdade com os hegemonicamente adotados.
E eles existem.
E são gratuitos.
Neste ponto, fiz um pequeno flashback para apresentar os direitos fundamentais do usuário de software, conforme postulados por Richard Stallman, criador da Free Software Foundation, do projeto GNU e das licenças públicas GPL e Copyleft (GPL v. 3), e a metodologia aberta de desenvolvimento, introduzida por Linus Torvalds, o objetivo era mostrar os fundamentos às características comuns dos programas livres: de um modo geral, são mais leves, mais estáveis, sua curva de desenvolvimento é mais acentuada, os bugs tendem a ser corrigidos mais rapidamente e pequenas demandas dos usuários podem ser atendidas.
O uso de programas livres na universidade, além da óbvia redução de custos que representa, permite que os conceitos apresentados sejam testados em um sem número de diferentes programas, provando aos alunos
que os softwares são apenas ferramentas, ao mesmo tempo em que se reduz a pressão para que utilizem programas caros. É necessário desvincular a identidade e a autoimagem, o “ser designer”, com a utilização de certa marca de computadores e de programas.
Mais que isso, no entanto, a possibilidade de se alterar o próprio programa, seja desenvolvendo novas ferramentas, seja repensando sua interface, e a facilidade de se entrar em contato direto com seus desenvolvedores para discutir tais implementações, abre possibilidades instigantes de ensino-aprendizagem impossíveis de serem implementadas com programas proprietários.
Nesse ponto, os professores da ESDI já tinham reconhecido o valor dos programas livres e de sua utilização na academia, restava apresentar suas interfaces, para que percebessem que são programas (pelo menos aparentemente) modernos.
A palestra terminou, portanto, com a apresentação de uma galeria de imagens dos mais diferentes programas livres voltados para as artes e o Design1.
Balanço da palestra: após uma saraivada de perguntas, os professores da ESDI estão extremamente motivados a experimentar os programas livres, e já decidiram pela conversão da base de softwares da faculdade. A partir da metade de janeiro serão oferecidas oficinas de programas gráficos livres abertas à comunidade.
Nota:
1 – As imagens apresentadas na palestra podem ser vistas no artigo Ubuntu 17.10: um sistema moderno, eficiente e seguro, orientado ao usuário final, aqui no Guicolandia.
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